CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA VERBAL E FÍSICA
NA VIDA DO SER HUMANO NA VISÃO FREUDIANA
Mary Cristiane de Araújo Mesquita
Estudante do curso de pós-graduação em Filosofia e Psicanálise
UFES, Itapemirim - ES
Resumo: O presente artigo busca uma reflexão das consequências dos abusos sofridos na infância e tenta elucidar, à luz do trabalho do Dr. Sigmund Freud, nas reflexões existentes em alguns de seus trabalhos, os “porquês” de certos comportamentos e doenças, sejam de alunos (considerados “problemas” em sala de aula), sejam das pessoas que nos cercam. E, sugerir medidas que poderão ajudar tais pessoas superar as graves consequências dos assédios morais e físicos.
Palavras-chave: violência – abuso – assédio – reflexão.
Abstract: This article aims to reflect the consequences of abuse suffered in childhood and tries to elucidate the light of the work of Dr. Sigmund Freud, the reflections that exist in some of his work, "whys" of certain behaviors and diseases, are students (considered "problems" in the classroom), are the people who surround us. And, to suggest measures that could help such people overcome the serious consequences of moral and physical harassment
Keywords: violence - abuse - harassment – reflection
Introdução
A existência de traumas (muitas vezes escondidos em um lugar bem “secreto” da psique/mente/alma humana) que algumas pessoas enfrentaram em sua infância, e que não foram tratados de maneira adequada, ou sequer notados, poderão repercutir em sua vida adulta. Podendo trazendo-lhes transtornos emocionais, nos relacionamentos, na própria construção de sua personalidade e na sua maneira de “encarar” o mundo. E, quando isso ocorre há uma necessidade de aliviar a angustia, as dores da alma e as neuroses, o que tem levado inúmeras pessoas a buscarem ajuda terapêutica, psiquiátrica e medicamentosa.
Mas como isso é possível? Tantas inovações tecnológicas, a medicina avançou, os fatos que ocorrem no mundo se tem acesso quase em tempo real. A qualidade de vida melhorou para muitos, o homem conseguiu criar clones (quase “deuses”), trabalhar com células troncos, etc. E, ter-se pessoas que por traumas ocorridos na infância ficam “problemáticas”, “neuróticas” ou quem sabe loucas?
Segundo Sigmund Freud: ...A psicanálise foi obrigada a atribuir a origem da vida mental dos adultos à vida das crianças e teve de levar a sério o velho ditado que diz que a criança é o pai do homem...1, portanto, na infância encontrar-se respostas, ou pelo menos se tenta, para alguns dos infortúnios das relações, das agonias da alma e das neuroses do ser humano.
Desenvolvimento
O Dr. Sigmund Freud, em seu trabalho Totem e tabu, nos diz que a sociedade tem a necessidade de uma figura representativa, denominada “pai primevo”, esse mito é uma metáfora da estruturação do psiquismo humano. Esse “pai” simbolicamente representa da interdição das pulsões, delimita até onde o homem pode ir para satisfazer seus impulsos, levando em conta o contexto sócio-cultural no qual está inserido. Ele, também, daria a proteção, cuidado, indulgência, e serviria para manter a ordem, a moral, a interdição das pulsões (seja a agressividade, seja a do incesto), figura como autoridade coerciva (castração).
Saliento, para fins de conhecimento, que a figura mítica criada por Freud (pai primevo) não se restringe ao pai biológico, mas expande-se para quem quer que desempenhe tal papel: as autoridades, as instituições, um padrasto, a religião, ou seja, qualquer figura que represente o PODER e a ORDEM (talvez, a proteção).
No entanto, ao dirigir-se o olhar de maneira mais particularizada para indivíduos, casos específicos do cotidiano e situações que ocorrem há muitos anos, sendo considerados para muitos - dependendo do contexto sócio-ecônomico-religoso - um tabu abordar tal assunto: o abuso verbal ou físico pela figura dos pais, familiares, professores ou amigos.
Este artigo não tem a pretensão de analisar psicanaliticamente os casos que serão expostos, mas tem a necessidade de sacudir, ou pelo menos de inquietar o leitor e fazê-lo refletir sua conduta e a relação, sejam com seus filhos, sobrinhos e alunos. E, também, direciona-se à grande relevância do professor que, na sua prática pedagógica, influenciará o comportamento daquele ser tão pequeno (refiro-me ao Ens. Fund. I)
Freud diz:
“Não somos apenas o que pensamos ser. Somos mais; somos também, o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos; somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos, os impulsos a que cedemos, “sem querer”.”2
Primeiro abordaremos, sucintamente, o abuso verbal3 infligido às crianças justamente no período da formação de seu caráter e delineação de sua personalidade. E, fica a pergunta, como será esse adulto?
CASO A – Uma menina de dez anos, pobre, sem educação doméstica (ou “modos para uma mocinha”), e sempre motivo de deboche por parte dos colegas mais abastados ou em melhor situação que a dela. Certo dia, interrompe a aula da professora, após por três vezes (1ª baixinho, a 2ª um pouco mais alto e a 3ª gritando). A professora já lhe havia pedido calma, que passaria um exercício para a turma (muito agitada e barulhenta) e conversaria com a mesma. Porém, após o grito tudo ficou em silêncio... Ela disse: _EU QUERO MORRER!!!! A professora entendeu o pedido de socorro, sentou-se e dirigindo-se a aluna deu-lhe a oportunidade de esclarecer para todos o “porquê” ela queria morrer. Disse ela que tinha três motivos: um tinha vergonha do pai, pois bebia e saia nu na rua, segundo que ela era uma assassina; o terceiro a turma contou por ela, circulava na rua que a mesma havia sido vendida por R$ 50,00 para a tia, pela avó. A mesma avó que lhe chamava de traste, que ela era que deveria ter morrido e não a mãe (a própria avó teve que fazer a escolha, ou a filha ou a neta – e como a filha apanhava muito, que viesse a criança). Mas, nunca deixou de jogar-lhe isso em face, além de outros xingamentos e depreciações inimagináveis. A menina crer que é a culpada da morte da mãe, não possui nenhuma referência da figura do pai primevo (??).
CASO B – Outra menina, pais separados aos cinco anos; mãe extremamente autoritária, imediatista; o pai carinhoso, porém omisso e infiel. Nesse caso em tela a menina cresceu ouvindo que tudo que fazia não dava certo; se algo quebrasse a culpa era dela, que era igual ao pai (esse era o pior dos xingamentos), etc. E, dos colegas e familiares sofreu a perseguição de ser chamada de quatro olhos, baleia, covarde, e outras pornofonias não indicadas para serem aqui descritas. Pergunto... onde estava proteção a essa mutilação psíquica? E, como será essa criatura... feliz...segura?
Os casos relatados podem ter ocorridos em lugares fechados e não de domínio público, todavia, hoje há amparo legal contra tal tipo de violência, e que não partiu do núcleo familiar, porém da necessidade de toda uma sociedade (um exemplo é a Lei contra a alienação parental, que entrou em vigor em setembro deste ano).
Não entra-se no mérito da pedofilia, nos casos a seguir, mas sim, da falta da proteção que deveria se ter em casa, e que há muitos casos tenebrosos surgidos dentro da família, como é o seguinte caso:
CASO I – Sala de audiência, um menino de nove anos sendo interrogado por quase quarenta minutos, sem o juiz obter qualquer sinal ou som da figura de cabeça baixa e encolhida na cadeira. Até que um iluminado sugeriu ao juiz perguntar se o menino lia e escrevia. Sinal positivo com a cabeça. O juiz pergunta se o pai mexia com a família a noite, se realmente ele colocava algo na lamparina que todos ficavam entorpecidos/paralisados, e “mexia” com a mãe, as duas irmãs e um outro irmão? O menino escreve no papel A4 em letras pequenas “sim”. O juiz cautelosamente pergunta se o pai dele introduzia o pênis nele? O SIM ocupou toda a folha do papel.
CASO II – Menina de cinco anos é esbofeteada pela empregada, para que lhe fizesse sexo oral. E, quando a mãe chega em casa e a garotinha lhe conta tal fato, leva uma surra. Nunca mais disse a sua mãe quando e por quem, posteriormente fora violada. Um sentimento de culpa se instalou.
Infelizmente os casos relatados são verídicos e dolorosamente reais nos adultos que essas crianças se tornaram ou se tornaram. Onde estava o protetor, o que ampararia e daria amor, colo e segurança? Onde?
Nos casos b e II, teve-se a autorização para dizer como foi o amadurecimento e as consequências dos abusos sofridos. A pessoa funcionalmente está paralisada, com depressão crônica, já no sétimo remédio, e deseja ardentemente não acordar no dia seguinte. Tornou-se um adulto inseguro de suas capacidades, é subserviente, pois pede desculpas o tempo todo (complexo de culpa), e não tem amor próprio, sempre coloca os outros em primeiro plano. Teve um relacionamento tardio, e como Freud explica – quase tudo – a pessoa com quem se relacionou tinha as características paternas e maternas, talvez buscou achar no outro o pai primevo.
Uma reflexão interessante, e que você poderia avançar mais um pouco (articulando com Freud, obviamente), é a referente os avanços do conhecimento e sua ineficácia diante do sofrimento humano.
Conclusão
A complexidade da obra freudiana, principalmente sendo seus escritos finais e o não conhecimento prévio trouxe dificuldade de interpretação e aplicação do texto. Talvez, o fato de Freud abordar que muitas das neuroses advêm da sexualidade reprimida, feriu alguns “tabus” internos. Crê-se que a leitura de seus escritos amplia a visão de mundo e do próprio ser. Quebra paradigmas.
Mas, nos casos relatados onde estava a figura do pai primevo???? Por isso, a sociedade precisou criar leis, o ECRIM. E, mesmo assim, casos desse porte ocorrem diariamente... que tipo de adultos a sociedade terá????
Freud, mais uma vez diz: Não me lembro de nenhuma necessidade da infância tão grande quanto a necessidade da proteção de um PAI.4
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. Totem e tabu e outros trabalhos. Vol XIII, PG 114 http://www.filpsi.neaad.ufes.br/moodle/course/view.php?id=4
3 Também conhecido como assédio moral
Parabéns por sua intensa dedicação aos estudos.
ResponderExcluirSaiba que o mundo precisa de pessoas com suas qualidades humanas e cognitivas.
Att.
Adrian Paula